“A Substância”: O horror de envelhecer em uma sociedade obcecada pela juventude
O novo filme de Coralie Fargeat, A Substância, mergulha em um terreno conhecido do horror: as mutações físicas e distorções corporais que expõem os medos mais profundos sobre identidade e decadência, uma abordagem típica do body horror que transforma o corpo em um reflexo perturbador de desejos e ansiedades sociais. Em uma sociedade que idolatra a juventude e considera o envelhecimento uma falha a ser corrigida, a obra explora como a pressão para manter a aparência jovem pode transformar vidas e corpos de maneira brutal. Estrelado por Demi Moore, que retorna ao cinema em grande forma aos 61 anos, o filme provoca uma reflexão sobre a obsessão social pela beleza e a eterna busca por validação externa.
Na trama, Elisabeth Sparkle (Moore) é uma celebridade fitness que, após ser demitida de seu programa na televisão, encontra uma oportunidade de “recomeço” ao experimentar uma droga clandestina capaz de criar uma versão temporariamente mais jovem de si mesma. A atriz se divide entre suas duas versões (a mais jovem interpretada por Margaret Qualley), e é nessa coexistência que A Substância encontra seu núcleo de tensão. A convivência das duas versões de Elisabeth traz à tona questões de identidade, envelhecimento e a busca incessante por aceitação, temas que são habilmente abordados por Fargeat, especialmente na primeira metade do filme.
O terror aqui não apela para sustos fáceis, mas sim para o incômodo crescente ao vermos Elisabeth ser engolida pela própria necessidade de validação. A escolha de Demi Moore para o papel é particularmente poderosa. Ícone dos anos 1980 e 1990, Moore ficou um tempo fora dos holofotes, e vê-la novamente nas telas, aos 61 anos, interpretando uma mulher de 50, adiciona camadas de significado ao filme. Sua presença é ao mesmo tempo uma celebração e um comentário sobre como a sociedade trata mulheres maduras, reforçando a crítica ao culto da juventude.
Visualmente, A Substância mergulha no horror corporal, mostrando um corpo que vai se transformando progressivamente em um terreno de disputa entre o natural e o artificial. Esse desconforto inicial é um dos pontos fortes do filme, que consegue transformar o próprio corpo de Elisabeth em um espelho distorcido dos desejos e medos sociais.
No entanto, Fargeat acaba perdendo um pouco a mão na reta final. Se o início do filme é habilidoso ao provocar um terror psicológico profundo, o desfecho descamba para uma sequência exagerada e quase cômica, onde a diretora parece querer forçar suas referências cinematográficas em tela de maneira explícita. Esse momento, que beira o grotesco, enfraquece o impacto emocional e psicológico construído ao longo do filme. Ainda assim, não é suficiente para apagar a potência da primeira parte, nem a atuação impressionante de Moore, que entrega uma performance que transita entre o vulnerável e o feroz.
A Substância é, no fim das contas, um filme sobre o terror de ser descartável em um mundo que idolatra a juventude. Mesmo com seus tropeços, Fargeat consegue extrair momentos de reflexão e desconforto, usando o gênero de horror para criticar a forma como a sociedade enxerga o envelhecimento feminino. Com uma protagonista que personifica a luta contra a obsolescência imposta, o filme nos lembra que, por mais tentadora que seja a promessa de juventude eterna, ela carrega um preço — um preço que Elisabeth descobre ser mais alto do que jamais imaginou.