Ator recifense Duda Rios estreia em elenco de “No Rancho Fundo”
Brasileiro tem vocação para noveleiro. Para muito além da rima, é quase uma sina. E o jornalista, escritor, ator, diretor e sanfoneiro Duda Rios, filho das águas e das imaginações recifenses, está constatando isso na pele. Mais especificamente, na pele do personagem Tobias Aldonço, que ele interpretará, junto a um elenco talentoso, gabaritado e, em grande parte, composto por nordestinos, na novela das 18h, “No Rancho Fundo”, que entrou em cartaz na Globo nesta segunda-feira, 15 de abril, marcando a estreia do multifacetado artista nas telenovelas.
Com uma longa trajetória, que inclui muitas e muito bem-sucedidas incursões em diversos nichos da criação cênica, Duda, que saiu do Recife há 13 anos para investir na carreira artística, manda avisar “ao povo de casa” que está chegando para visitas diárias aos parentes e amigos próximos e principalmente aos distantes. “Minha família sempre teve muito orgulho da minha trajetória no teatro e viu várias peças minhas que foram ao Recife. Mas só de pensar na alegria da minha avó de 100 anos vendo a novela todo dia, eu fico todo bobo. Aquece meu coração”, confessa Duda, que faz questão de cultivar com cuidado suas raízes afetivas, estéticas e artísticas recifenses no âmago de seus predicados.
E não são poucos. Graduado em Jornalismo pela UFPE, ele cursou Performance e Criação Teatral na LISPA – London International School of Performing Arts, além de ser um dos fundadores da Barca dos Corações Partidos, atualmente uma das companhias mais destacadas e premiadas do Brasil. “Eu morava na Inglaterra em 2011, estava estudando teatro lá, e João Falcão, também recifense, que já tinha me visto em cena uma vez, me procurou perguntando se eu queria fazer teste pra um espetáculo musical sobre Luiz Gonzaga. Eu mandei um vídeo e passei. Ele selecionou um monte de artistas incríveis pra essa peça, com bagagens diversas. Quando nos encontramos, ficamos encantados com as potencialidades uns dos outros e começamos a fomentar a ideia de nos transformarmos numa companhia brasileira de movimento e som. Andrea Alves, dona da Sarau Agência (RJ), somou forças, João batizou a companhia, dirigiu mais uma peça, e depois seguimos trabalhando com outros diretores. É uma família da qual me orgulho muito em fazer parte.”
Devidamente embarcado, Duda não demorou para encontrar reconhecimento por suas atuações. Recebeu o prêmio Bibi Ferreira de Melhor Ator Coadjuvante por “Suasssuna – O Auto do Reino do Sol” (2018) e de Melhor Ator no Niterói em Cena pelo monólogo “Doideira de Amor” (2017), o qual escreveu. Antes disso, havia sido premiado como Melhor Ator no Pochade PE (2010).
Fora dos palcos, também já encarnou diversos outros papéis, igualmente celebrados. Entre os maiores e mais recentes feitos alcançados atrás das coxias, boa parte deles se refere ao espetáculo “Azira’i”, solo da indígena Zahy Tentehar, natural do Maranhão, que lança um olhar delicado sobre ancestralidade para falar sobre amor, sagrado e tudo que é preciso soltar ou carregar, enquanto indivíduo e povo, para não se perder no caminho rumo ao futuro. A peça, em que Duda atuou como idealizador, dramaturgo e diretor, acaba de levar duas estatuetas no Prêmio Shell, um dos mais respeitados do país, e concorre a quatro categorias do Prêmio APTR, incluindo Melhor Direção e Melhor Espetáculo. A montagem já foi apresentada nos palcos da capital pernambucana – no último mês de novembro, esteve em cartaz na programação do Festival Recife do Teatro Nacional.
Na estante de troféus, repousam ainda, depondo sobre sua trajetória: o Prêmio APTR de Melhor Espetáculo Inédito Online, pelo musical “Jacksons do Pandeiro”, que escreveu com Bráulio Tavares; o Prêmio CBTIJ de Melhor Texto Adaptado, por “A Gaiola”, a partir de original de Adriana Falcão; e a indicação ao Prêmio Zilda Sallaberry de Texto Original, por “Contos Partidos de Amor”. Duda também escreveu e dirigiu o espetáculo “A Beira do Sol”, da cia Os Buriti, além de ser autor da peça “Manoel”, inspirada no universo do poeta Manoel de Barros, com 12 indicações ao Prêmio CBTIJ, incluindo Melhor Texto.
Apesar de estreante nas novelas, Duda já goza de certa intimidade e até prestígio com a dramaturgia televisiva: chegou a atuar como roteirista da série da Rede Globo “Louco por Elas”, de João Falcão, na qual fez uma participação como ator. Participou também do programa adolescente “Malhação”. Aumentando o volume da música entre suas paixões corporativas e cativas, dirigiu os videoclipes “Ali” e “Calcanhar” da Barca e de Elba Ramalho, em 2010 e 2011. E ainda apresentou a seu respeitável público alguma palhaçada, sim, senhor, tendo feito parte do elenco dos Doutores da Alegria quando ainda morava no Recife.
NOVELA – “Eu costumo brincar dizendo que me tornei um pato. Porque ouvi muito na vida: cuidado pra não virar um pato, pois o pato faz de tudo: nada, anda, voa… mas não faz nada direito. Acho isso uma bobagem. Optei por me assumir como um pato feliz, sendo aquilo que me dá vontade, afinal tudo se relaciona. Um ator que dirige amplia o seu olhar para a interpretação; um dramaturgo que toca sanfona vai entender melhor a força rítmica das suas frases e assim por diante. Gosto de uma pérola de Guimarães Rosa: ‘Passarinho que se debruça – o voo está pronto’”, diz Duda, já batendo asas rumo ao Rancho Fundo. “A novela tem como base uma peça do maranhense Artur Azevedo chamada ‘A Capital Federal’, que usa como eixo dramatúrgico uma família rural migrando para a cidade grande. Isso se passa no Rio de Janeiro. Na novela, Mário Teixeira, autor, transpôs tudo isso para um sertão ficcional.”
Na trama, Duda Rios encarnará Tobias Aldonço, gerente-geral do Grande Hotel São Petersburgo, cerne de todo o enredo. “É um personagem chiquíssimo, figurino impecável, que tem a missão inglória de manter as aparências e o prestígio do estabelecimento e de sua clientela, e manter o calor da paixão de sua noiva, Fé, interpretada pela pernambucana Rhaisa Batista. Quando li o roteiro, achei incrível e pensei: nunca vi uma obra audiovisual retratar o Sertão dessa maneira, misturando a fábula e o pop. É a mesma equipe criativa da novela “Mar do Sertão”, de Mário Teixeira, e com direção artística de Allan Fiterman, sucesso de audiência. Não poderia perder essa oportunidade”, conta o ator, entusiasta confesso da poética nordestina. “A força da poesia popular vinda do Sertão sempre me atravessou. A sagacidade dos repentistas, o mistério hipnotizante dos caboclos de lança e do Homem da Meia-Noite, a alegria sincopada do frevo, a dignidade e inventividade do Mateus dos nossos folguedos: tudo isso sempre esteve em mim, sem que eu nunca tenha ido estudar a fundo cada uma dessas coisas. Depois que saí de Pernambuco, por um acaso do destino, minhas raízes vieram até mim com mais força do que nunca, em vários trabalhos. Tudo isso foi me chegando por acaso, e foi me banhando. Eu sou apaixonado por minhas raízes, e, ao mesmo tempo, sei que ainda tenho muito a aprender e descobrir sobre elas. Tem muito chão pra pisar. E ‘alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho’.”
Para dar vida e verniz a Tobias Aldonço, o artista, que já tem planos para fazer a direção da trupe Dupla Companhia, de São Paulo, num espetáculo em homenagem à “heroína” Nise da Silveira, conta que fez laboratórios frequentando hotéis cariocas, para conhecer de perto a dura lida das equipes no desafio cotidiano de manter acesas as cobiçadas cinco estrelas do ramo hoteleiro. E está pronto para servir a atuação. “O incrível da novela é que é uma obra aberta: pode ganhar modificações a partir do olhar do público. E, acima de tudo, me modificar também como ser humano”, celebra, prometendo fortes emoções para os próximos capítulos.