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Crítica: “Ainda Estou Aqui”
Demorei muito para escrever esta crítica. Não por falta de palavras, mas porque é difícil digerir “Ainda Estou Aqui”. No filme, Walter Salles faz com que o espectador viva uma espera tão dolorosa quanto inútil. Sabemos, desde o início, que Rubens Paiva (Selton Mello) não voltará. No entanto, cada gesto, cada olhar e cada silêncio de Eunice (Fernanda Torres) e de seus filhos nos levam a desejar, contra toda a razão, que o impossível aconteça. Essa espera é uma metáfora cruel para o luto não resolvido de tantas famílias brasileiras que, durante a ditadura militar, perderam seus entes queridos para a violência do Estado sem nunca receber respostas ou sequer os corpos de volta.
Revendo o filme, senti ainda mais esse amargo na despedida de Rubens na porta de sua casa. Ali, Eunice, interpretada com maestria por Fernanda Torres, encara o marido pela última vez. Seu olhar amedrontado é retribuído por um gesto de complacência de Rubens, como quem tenta transmitir segurança em um momento de completo desamparo. A direção de Salles traduz a brutalidade desse instante sem recorrer a excessos, preferindo o impacto daquilo que não é dito, daquilo que não é mostrado, mas que sabemos que virá.
Antes daquela cena, a narrativa nos conduz à rotina de uma família que, apesar do ambiente político tenso, encontra na convivência doméstica um espaço de afeto e esperança. A casa da família Paiva, quase um personagem da trama, acaba por simbolizar um contraste entre o acolhimento e a devastação.
Os silêncios de “Ainda Estou Aqui” são cortantes. É doloroso acompanhar Eunice sendo forçada a engolir o luto e a injustiça para poupar os filhos, que, como testemunhas inocentes, transitam pela trama carregando a tensão da ausência e do medo.
Nos momentos finais, Fernanda Montenegro assume o papel de Eunice, já acometida pelo Alzheimer, e entrega uma das cenas mais emocionantes do longa. O olhar perdido da personagem dá lugar a um instante de lucidez ao reconhecer, na televisão, o anúncio sobre a morte do marido. Nesse momento, “Ainda Estou Aqui” une a tragédia pessoal à dimensão coletiva de um País que luta contra o esquecimento de suas feridas mais profundas.