“Grande Sertão” é adaptação ousada de obra de Guimarães Rosa
A mais nova produção de Guel Arraes, “Grande Sertão”, é uma releitura ousada e contemporânea da obra-prima literária de João Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”. Com um elenco talentoso e um roteiro afiado co-escrito por Guel Arraes e Jorge Furtado, o filme estreou na programação do Cine PE, dentro da Mostra Hors Concours, com a presença de parte do elenco no Cineteatro do Parque, no Recife.
Encabeçando o elenco, Luisa Arraes, filha do diretor, entrega uma performance poderosa como Diadorim, trazendo uma complexidade emocional que faz jus à personagem enigmática do romance original. Ao seu lado, Caio Blat brilha como Riobaldo, capturando a essência do protagonista atormentado por dilemas morais e existenciais. Rodrigo Lombardi, como Joca Ramiro, e Eduardo Sterblitch, como Hermógenes, completam o elenco principal, cada um oferecendo interpretações memoráveis que enriquecem a narrativa.
A atuação visceral de Luis Miranda como Zé Bebelo merece destaque, dominando alguns dos melhores momentos da trama. Ele vive um personagem complexo com maestria, imprimindo uma intensidade que enriquece a narrativa e cativa o público.
A escolha de Guel Arraes por uma linguagem teatral é evidente e pode ser polarizadora. Essa abordagem, no entanto, não é uma surpresa para aqueles familiarizados com seu estilo, visto em obras anteriores como “Lisbela e o Prisioneiro” e “O Auto da Compadecida”. A teatralidade em “Grande Sertão” não só presta uma homenagem ao texto denso de Guimarães Rosa, mas também enfatiza o caráter lírico, poético e filosófico da história, criando uma experiência emocionalmente ressonante.
O filme consegue atualizar um dos maiores romances da literatura brasileira, transformando-o em uma trama contemporânea ambientada numa favela em um futuro distópico. Em vez das brigas de jagunços, a narrativa agora gira em torno de uma disputa sangrenta entre bandidos e policiais, mantendo a profundidade filosófica e a complexidade dos personagens originais. A cinematografia é um destaque à parte, com tomadas que capturam a intensidade e a crueza da vida na favela.
No entanto, “Grande Sertão” pode não ser uma obra de fácil digestão para todos os públicos. A estilização teatral, que sobressai nas tantas cenas de ação, exige um espectador disposto a se envolver profundamente com a história e a estética propostas por Guel Arraes. Por outro lado, aqueles que esperam uma adaptação literal do romance podem se decepcionar.
Uma obra corajosa e artisticamente ambiciosa, “Grande Sertão” reafirma Guel Arraes como um dos grandes nomes do cinema brasileiro contemporâneo, oferecendo uma visão original e desafiadora da obra de Guimarães Rosa.