Livro infantil “A Boneca Fuxiquita” explora finitude, resiliência e ancestralidade
Lidar com o adoecimento de alguém querido e a possibilidade de sua partida é uma tarefa difícil, não importa a idade. Para crianças, o processo pode ser ainda mais confuso, inclusive por serem privadas de conversas sobre esse tema, tratado como tabu. No entanto, não só é possível, como também é importante abordar essas questões com os pequenos, preparando-os para entender sobre a transitoriedade da vida e para acolher sentimentos como medo, tristeza e outras emoções ligadas ao luto ou às fases de um tratamento. Pensando nisso, e a partir de sua própria experiência após descobrir que sua avó estava com câncer, a escritora e advogada Thaís Sales escreveu o livro “A Boneca Fuxiquita”, sua estreia literária. Com ilustrações de Karla Gonçalves, a obra será lançada dia 1º de fevereiro, às 10h, na Livraria do Jardim, onde a autora fará uma manhã de autógrafos.
“A Boneca Fuxiquita” conta a história de Rafa, menina que tem uma forte ligação com sua avó Ana, uma exímia costureira de fuxicos – peças feitas a partir de retalhos e sobras de outros tecidos, confeccionadas em forma de flores. Na casa da matriarca, em especial em seu jardim, Rafa passa seus dias brincando e se encantando com os pequenos detalhes da vida, como a beleza das flores e os ciclos de renovação da natureza. Seus dias ganham novo brilho com a chegada de Fuxiquita, boneca feita por sua avó, que se torna um elo entre as duas. Um dia, após sua avó adoecer e precisar ir ao hospital, retornando sem os cabelos, a menina se depara com a fragilidade da existência, mas tem uma ideia mágica para trazer de volta os cabelos da avó.
Muito ligada às avós desde pequena, Thaís Sales cresceu cercada pelo carinho e acolhimento de mulheres cuja sensibilidade e saberes carregavam, também, a memória de muitas outras. A sua bisavó, Toinha, também costurava fuxicos, com os quais fazia colchas coloridas imensas. Essa ligação com a ancestralidade feminina se manifestou de diversas formas na vida de Thaís, especialmente após ela sair de Salgueiro, no sertão pernambucano, para estudar Direito no Recife. “Foi quando percebi o quanto elas permaneciam vivas dentro de mim, não importava a distância e quão longe eu fosse, os pedacinhos de todas elas estavam costurados como fuxicos na minha pele, no meu DNA.”
Sua avó Diva, uma grande conhecedora de plantas e da vida, é uma de suas grandes inspirações. Grande parte da infância de Thaís foi vivida no jardim da casa da avó. Foi também a partir do diagnóstico de um câncer de pulmão de dona Diva que Thaís iniciou a criação de “A Boneca Fuxiquita”, em 2022. Mas, a paixão da autora por contar histórias é antiga. Em seu computador, há escritos datados de 2001: contos, livros adultos e infantis. O processo criativo é, para ela, também terapêutico, uma forma de entender os próprios sentimentos em meio aos desafios da vida.
“Escrever é um processo de cura, uma tentativa de depurar os sentimentos, trazendo junto a poesia. Porque, apesar de escrever em prosa, a poesia é muito presente na minha vida. Tenho vários livros escritos, mas este é o meu primeiro publicado. E tinha que ser ele. Quando descobrimos o câncer da minha avó, foi muito difícil, mas estivemos muito juntas. Ela pediu para eu raspar seus cabelos. Aquilo foi um renascimento. Escrever esta obra foi como costurar, fuxico por fuxico, os meus pedaços esgarçados ao longo do tratamento. Queria falar sobre a possibilidade da perda, sobre a morte, de forma natural, humanizada. Quando finalmente mostrei o livro pronto para a minha avó, foi muito emocionante”, conta Thaís Sales.
Para ajudar a contar a história de “A Boneca Fuxiquita”, ela sabia desde o princípio que gostaria de unir forças com a ilustradora Karla Gonçalves, de quem é grande amiga e admiradora.
“Conheci Karla quando fui fazer uma tatuagem em aquarela criada por ela. Foi bonito, com a criação partindo de uma meditação e leitura de aura. Todo um processo respeitoso e repleto de amor. Daí, vieram outras tatuagens e viramos muito amigas. Desde o começo, sabia que seria ela a pessoa a ilustrar esta história. Quando convidei Karla, ela estava gestando e me disse que a criação foi como um grande portal para ela. Como resultado, ela produziu ilustrações lindíssimas, muito delicadas, que capturaram o espírito da obra. O livro existe, também, por conta dela”, reforça Thaís.
O desejo de contar histórias sobre e para as infâncias é reflexo do seu encanto pelos pequenos e também fruto do seu compromisso com a formação de novos leitores. Segundo a autora, o estímulo à literatura deve ser realizado desde cedo, com abordagem respeitosa e sensível, sem jamais duvidar do poder da imaginação das crianças.
“Sempre amei crianças e me comuniquei muito bem com elas. Inclusive, porque minha criança interior é muito viva em mim, ela também é escritora: me move. Quando escrevo, a Thaís adulta fica de lado e sou conduzida pela leveza e o encantamento de uma criança que se salvou na fantasia. Acredito na força da contação de histórias, na oralidade e no poder da palavra. Sempre ouvi as histórias dos meus tios-avôs, das minhas avós, histórias de sertão e magia. Neste momento em que a vida é tão mediada por telas, é importante que os pequenos sejam estimulados a imaginar, a vivenciar a terra, a exercer a criatividade, a observar e entrar em contato com seus sentimentos. A criança aprende muito sobre o mundo através da sensorialidade, e a experiência de estar com um livro em mãos é única”, reforça a autora.
Sobre a autora e a ilustradora:
Thaís Sales escreve para emocionar e para se salvar também. As palavras são suas melhores amigas desde que aprendeu a ouvi-las e, desde então, constrói mundos com sua imaginação fértil. Thaís não conta histórias para as crianças dormirem. Thaís escreve histórias para as crianças sonharem: acordadas ou dormindo. Formada em Direito pela UFPE, Thaís é escritora de coração, o mesmo coração que a une às suas avós e bisavós, as mulheres mágicas que inspiraram esta história.
Karla Gonçalves é formada em fotografia pela AESO e é mestra em Artes Visuais pela UFPB/UFPE. Estuda processos criativos, aprofundando no inconsciente coletivo. Aquarelista desde 2012, cria artes que traduzem a conexão entre o feminino e o sagrado. Ministra oficinas, cursos, imersões e vivências que utilizam a ferramenta da Aquarela e terapias integrativas como canais para o despertar criativo.