O comovente “Saudade Fez Morada Aqui Dentro”
“Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, de Haroldo Borges, é um delicado e comovente retrato de Bruno, interpretado por Bruno Jefferson, um adolescente de 15 anos que enfrenta a perda irreversível da visão. O filme transcende o “coming of age” tradicional, explorando a transição forçada do protagonista de uma juventude cheia de incertezas para uma compreensão mais madura de si e do mundo. A cegueira iminente serve como uma metáfora poderosa que amplifica as questões típicas da adolescência — inseguranças, desejos e a busca por pertencimento —, mas é a maneira sutil e emocional com que a história é conduzida que a torna única.
A metáfora central do filme está na diferença entre “ver” e “enxergar”. No início, Bruno pode ver fisicamente, mas é cego para muitas realidades ao seu redor — seus sentimentos, a complexidade das relações humanas e o próprio mundo que o cerca. À medida que a perda da visão avança, Bruno começa a “enxergar” com maior profundidade. Esse processo de autoconhecimento o faz perceber o que realmente importa: as conexões humanas, o amor, e a aceitação de suas vulnerabilidades.
O roteiro se destaca ao evitar clichês comuns de histórias adolescentes. A relação de Bruno com Ângela (Ângela Maria) e Terena (Terena França) exemplifica isso. Ângela, inicialmente vista como a amiga apaixonada, e Terena, como a “paixonite”, não seguem esses papéis estereotipados. O filme subverte essas expectativas, criando personagens complexas e autênticas. A amizade com Ângela, em particular, se revela mais profunda e significativa, sem cair em padrões previsíveis. O vínculo entre eles vai além de qualquer expectativa romântica juvenil, sendo construído a partir de uma conexão verdadeira e de uma parceria que transcende os estereótipos de gênero.
Além disso, a cegueira de Bruno não é tratada de forma melodramática. Haroldo Borges opta por mostrar sua adaptação ao novo mundo com sensibilidade e naturalidade, humanizando a trajetória do personagem sem recorrer a um tom de sofrimento exagerado. Bruno não é mostrado como alguém que precisa ser salvo, mas como um jovem que, em meio a tantos desafios, encontra forças para se reinventar.
Outro ponto que cativa o público é a relação de Bruno com seu irmão caçula, Ronnaldy (Ronnaldy Gomes). Como convém aos irmãos-parceiros, os dois vivem se provocando ao longo da trama, em cenas que oscilam entre momentos de pura leveza e profunda emoção. Essas trocas, ora afetuosas, ora cheias de implicâncias típicas de irmãos, acabam por construir uma dinâmica irresistível, arrancando risos e até lágrimas dos espectadores. A cumplicidade entre eles não apenas enriquece o filme, mas também oferece um contraponto doce e humano à jornada difícil que Bruno enfrenta.
Em “Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, a evolução do personagem é o que verdadeiramente emociona: Bruno mais do que aprende a lidar com a cegueira, ele aprende a enxergar o que antes passava despercebido — tanto em si quanto nos outros.