“Retratos Fantasmas” é uma melancólica declaração de amor ao Recife – e ao cinema
Quando assisti “O Som ao Redor”, primeiro longa-metragem de ficção do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, comentei na época que o filme não tinha bem uma história, mas sim um retrato: de um bairro, de uma classe social, de um recorte do Recife. O ambiente é um personagem tão importante quanto qualquer pessoa em cena, em um padrão que se repete em suas outras obras, como o edifício que dá título a “Aquarius”, ou o museu e a própria cidade em “Bacurau”. Em “Retratos Fantasmas”, documentário que estreou nesta quinta (24) no circuito comercial brasileiro, Kleber retrata outros lugares que são personagens da capital pernambucana, tanto quanto qualquer pessoa.
No primeiro ato, o diretor e roteirista promove um tour pelo apartamento do bairro de Setúbal onde viveu por mais de 40 anos – o mesmo apartamento que serviu de cenário em filmes como “O Som ao Redor”. Com ele, conhecemos um pouco da história de Kleber, de sua família, do próprio apartamento e da vizinhança, alternando imagens do arquivo pessoal do cineasta com trechos do longa que eternizou o imóvel e seus arredores.
A partir do segundo ato, o cenário muda para o Centro do Recife, e os personagens que arrebatam o espectador são os diversos cinemas de rua da Veneza Brasileira. As imagens, fatos e curiosidades sobre cinemas como o Trianon, o Art-Palácio, o Moderno e o Veneza são apresentados de forma tão deliciosa que, por alguns segundos, quase esquecemos do luto por esses espaços não existirem mais. Mas logo somos lembrados de como a falta de espaço para os carros mudou o eixo econômico do Recife do Centro para a Zona Sul (ou, como Kleber descreve, “o dinheiro foi para outro lugar”), sucateando bairros, fechando salas de cinema e redesenhando a cidade.
“Retratos Fantasmas” é, acima de tudo, uma declaração de amor ao Recife vinda de alguém que reconhece cada um de seus defeitos. É nostálgico e melancólico sem deixar de ser empolgante, é um carinho no coração de quem viveu o auge do glamour dos cinemas de rua, um abraço apertado em quem acompanhou sua decadência e uma aula de história para quem só os conheceu “de ouvir falar”.